Conversa de domingo

Eram umas cinco e pouquinha da tarde de domingo. Estava no ponto de ônibus para ir ao cinema assistir Anjos e Demônios, adaptação do livro homônimo de Dan Brown. Com algumas notas de 20 e 50 reais na carteira, precisava trocar aquele dinheiro. Sei bem a cara feia que os motoristas fazem quando não temos dinheiro trocado, principalmente valores mais elevados. E eu não estava nem um pouco disposto a deparar com um resmungo para afetar o bom humor que me é peculiar.
Pois bem, havia uma vendedora no ponto. Daquelas que vendem de balas a refrigerante e água de coco.
– Boa tarde, será que a senhora troca 20?
– Ih, meu amigo. Minha irmã passou aqui mais cedo pra pegar o dinheiro do gás e levou quase meu dinheiro todo. Estou com 18 reais só.
– Tudo bem. Façamos o seguinte. Eu levo essa bala e mais um guaraná e a senhora me dá 18 de troco, está bem?
– Pode pegar.

Nesse meio tempo, o ônibus passou e não consegui trocar a tempo de fazer sinal. Quando ela abriu a pochete velha para me dar o troco, percebi que estava com duas notas de dez e mais algumas de dois reais. Um ônibus, que não era o meu, parou no ponto e ela pediu ao motorista que trocasse uma das notas de dez em notas de dois. Bem, ela tinha duas notas de dez… então ela me enganou? O velho golpe de dizer que não tem trocado para que compremos alguma coisa… compreensível.
Os sinos da Igreja de São Roque tocavam e era possível ouvir de longe alguns cânticos vindos da missa dominical.
– Bonito isso, né? – disse ela.
– É… bonito sim.
– Sua mãe é uma pessoa muito especial, né? Você ama sua mãe?
Eu fiquei surpreso com a pergunta. Claro que amo minha mãe. Claro que ela é uma pessoa especial… além da conta, pensei. Demorei um pouco a responder.
– Muito, muito. Ela é fantástica.

Talvez fruto de uma intimidade forçada, comecei a observá-la. Aparentava pouco mais de 40 anos, era negra com um cabelo alisado mas, mesmo assim, não parecia preocupar-se muito com a aparência, já que vestia uma camiseta com pequenos furos ao redor da gola. Ou talvez não tivesse dinheiro para comprar uma melhor…
– Você já amou na vida, meu filho?
Mais uma pergunta que engoli em seco. Eu também já sabia a resposta. Já amei. Amo. E mais uma vez demorei a responder. Amor… de que tipo de amor ela estava falando? Amo minha família, minha namorada… alguns amigos… Deduzi que fosse a segunda opção.
– Eu namoro há quase 4 anos já… com certeza, amo.

Seus olhos pareciam ter adquirido uma luz, uma espécie de admiração pelo que falei.
– Eu nunca amei na vida. Mamãe faleceu em 1982 e papai já se foi também há um bom tempo. Sabe, eu nunca tive essa sorte de amar na vida.

Dessa vez, eu não sabia o que falar. Continuo sem saber. Até agora estou com meu coração apertado, não sei o que sentir, mil perguntas cegam minhas conclusões.

– Olha, meu ônibus está vindo. Prazer em conversar com a senhora.
– Você vem sempre aqui?
– Quase sempre, toda segunda-feira.

Ainda não voltei lá.

7 pensamentos sobre “Conversa de domingo

  1. caramba fiquei sem palavras. Tirando a família e os amigos eu nunca amei nenhuma mulher.E bateu até um tristeza pela velha senhora que nunca amou…

  2. São questões dificeis de entender e responder né amigão.Ainda bem que apareceu um ônibus pra te salvar.Mas volta lá, assim que puder.abração do amigão

  3. Preciso saber o quanto é ficção aqui. São essas histórias que me emocionam. Histórias da rua. Histórias que eu colhia quando fazia meu trabalho com mais amor.Nem importa se a sua é 100% ficção. Eu sei que poderia não ser.Hoje vou prá rua mais sensível.Tks.

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